quinta-feira, 13 de outubro de 2011

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A culpa é do habilitado? Vamos falar de adoção...

Uma conta que não bate é a do número de crianças abrigadas e de pretendentes a adoção! Nessa discussão acabamos sempre falando de perfis excludentes, da demora nos processos de habilitação, da falta de uma cultura de adoção que previlegie crianças fora do perfil "bebe, menina, branca, até dois anos"...mas será que o problema está só nos habilitados? Esse texto da minha amiga Silvana é muito esclarecedor e mesmo longo precisa ser lido com atenção por todos, não apenas por quem pretende adotar:

Imagem do Google

A Culpa Não é do Habilitado
Todos os dias, em diversas reportagens divulgadas na mídia ou em programas específicos sobre adoção, ouvimos a mesma informação: o perfil das pessoas cadastradas no CNA – Cadastro Nacional de Adoção, gerido pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça -, é de menina, branca, de até 3 (três) anos de idade e sem qualquer problema de saúde.
A ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, que conglomera mais de 100 grupos de Apoio à Adoção pelo Brasil, propaga a nova cultura da adoção que inverte o paradigma tradicional de se buscar uma criança para uma família, privilegiando dar uma família para uma criança que dela necessita, fazendo valer o princípio constitucional do melhor interesse da criança.
De fato o perfil dos habilitandos vem sendo alterado nos últimos anos em função da grande atuação dos Grupos de Apoio à Adoção. Os GAAs são parte da sociedade civil organizada que trabalha em prol da nova cultura da adoção.
Os GAAs contam com o trabalho voluntário de psicólogos, assistentes sociais, operadores do direito e pessoas que passaram ou estão passando por processos de adoção. É uma troca constante de informações, experiências e vivências que auxiliam no pré, durante e período pós-adoção.
Mensalmente são realizadas palestras com discussões sobre os mais variados temas, dentre eles, salientamos: adoção tardia; adoção múltipla; adoção positiva (HIV +); adoção especial; adoção necessária; adoção inter-racial; adoção consentida; aspectos envolvendo educação de filhos; problemas nos procedimentos de adoção e como enfrentá-los; debates sobre a legislação e suas alterações; debates sobre procedimentos de habilitação, guarda, adoção e destituição do poder familiar, dentre outros.
Alguns GAAs têm Termo de Cooperação Técnica firmado com a Vara da Infância de sua competência territorial, outros não os tem por razões que desconhecemos, visto serem os GAAS indispensáveis ao preparo à habilitação vez que os assuntos tratados auxiliam os futuros habilitados em todas as etapas do procedimento – da parte anterior à habilitação até o desenvolvimento da adoção e o período pós-adoção.
Todas essas explicações servem para justificar que não cabe aos habilitados, componentes do CNA, a culpa pela falta de cruzamento dos números de habilitados (cerca de 26 mil) e de crianças disponibilizadas à adoção (cerca de 4 mil), pois, não compete aos habilitados realizar o cruzamento de dados do CNA e sim aos responsáveis pelas respectivas varas da infância. O CNA não funciona sozinho, precisa que alguém dê o “click” e faça o cruzamento das informações.
Outra questão é a falta de equipes técnicas em inúmeras varas da infância espalhadas pelo Brasil, mesmo com a Recomendação do CNJ para que os Tribunais de Justiça realizassem concursos públicos para os provimentos dos cargos de psicólogos(as) e assistentes sociais, formando, assim, a equipe interdisciplinar cuja atuação é indispensável nos procedimentos de habilitação, guarda, adoção e destituição do pode familiar, tais concursos permanecem sem realização.
Ainda pontuamos a falta de equipamentos, notadamente computadores. Sem as ferramentas indispensáveis será impossível a realização de um trabalho que atenda ao melhor interesse das crianças e adolescentes em acolhimento institucional.
A excessiva demora das Ações de Destituição do Poder Familiar é outro entrave absurdo. O ECA determina que todo o procedimento terá duração máxima de 120 (cento e vinte dias), contudo o próprio ECA estabelece que deverão ser esgotadas as possibilidades de citação pessoal dos pais (família biológica). O entendimento de “esgotar” difere de Juízo para Juízo quando na realidade devia ater-se aos endereços fornecidos pela Receita Federal, Tribunal Regional Eleitoral, DETRAN e citação por edital, pois, se a pessoa não possuí CPF por óbvio não terá contas de água, luz, gás ou telefone em seu nome. Deveria, também, haver uma limitação de tempo para a localização dos genitores, no máximo 6 (seis) meses, pois se em tal período não buscarem contato com os filhos obviamente já os abandonaram afetiva e materialmente.
Essa necessidade de busca do vínculo biológico é absurda, pois, nossas crianças e adolescentes têm pressa de ter uma família e a passagem inexorável do tempo é ingrata, queimando etapas da vida que jamais serão repostas.
Assim, antes de se culpar os habilitados deve-se fazer uma mea culpa por todos os erros cometidos ao longo de anos da "desimportância" com a qual tratamos nossas crianças e adolescentes, aos quais relegamos a titulação de filhos do Estado ou filhos de ninguém.
O Brasil precisa de Magistrados vocacionados, assim como Promotores de Justiça, Assistentes Sociais e Psicólogos, pois, apenas os que têm vocação para o trabalho com crianças e adolescentes conseguirão conviver com histórias de abusos (físicos, psicológicos e morais), abandonos (intelectual, afetivo e material), dentre tantos outros motivos que levam nossas crianças à institucionalização.
Precisamos rever os conceitos vigentes antes de, simplesmente, colocarmos a culpa de anos de ineficiência sobre os ombros dos habilitados.


Silvana do Monte Moreira

Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção

Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM – Associação Nacional de Direito de Família

Coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II

Silvana é uma das melhores pessoas que conheço nessa vida e uma guerreira no que se refere a uma nova cultura de adoção, tenho orgulho de tê-la entre meus amigos.
No mais pessoal ótimo dia para todos e por aqui mais um dia de paz graças a Deus!
Beijos
Glau

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